Assassinos
Por Alexandre Honrado
Um ser humano mata outro ser humano. É um assassino. Um ser humano mata outro ser vivo. É um assassino.
Andarão atenuantes por perto? Foi no serviço militar? Estava-se em guerra? Morreu para não matar? Matou para saciar-se? Defendia as crias, a bandeira, a honra? Perdeu a cabeça por amor? Matou por desamor? Cedeu a ódios? Uma ideologia política armou-lhe a mão e o pensamento? Uma religião prolongou-lhe a raiva? A arma na mão de um crente é a forma como um deus lhe prolonga o braço – diz-se em certas seitas conhecidas.
Matou. É um assassino. Mesmo que tenha morto por se sentir encurralado. Por acidente. Por negligência.
A Justiça absolve-o, por vezes; a sua consciência não? Fala-se e fazer justiça, mas isso é coisa que se faça?
Este que tirar a vida a outro não pode ter tranquilidade ao espelho. Todavia, o mais assustador é que cumprido o susto, até o assassino regressa à sua paz. E o curso dos dias não sofre alterações. E essa coisa definitiva de morrer parece desinteressar todos os outros, afinal, os que ficaram vivos.
Mata-se por ódio alegando diferenças de “raça”, essa ilusão de ótica que parece animar os imbecis.
“Matei muitos destes na guerra”, diz o veterano, sem perceber que se matou a si mesmo, sem solução.
Mata-se pelo líder, pelo presidente, pela causa, morre-se por todos eles.
É humilhante ser aquele que tira o que não lhe pertence: o bem alheio ou a vida, o bem dos bens. É tão assassino o que permite armar os seus súbditos, como o que dispara a arma ou manda disparar.
É claro que vivemos uma cultura de morte. As crianças matam desde cedo, nem que seja apenas o bonequinho indefeso do seu jogo eletrónico. A morte é sua companheira de divertimento, entra-lhe em casa pelas televisões, pelos filmes, pelos jogos. Todos nós somos essas crianças tristes e mobilizadas.
Somos herdeiros das mortes e dos assassinatos. Não falo das grandes epidemias, muitas houve, mas de coisa mais cruel que por vezes até lhe esteve na origem. Olho para o século passado: nunca outro século tente tantos mortos. E lá estão: mortos pelas ideologias, pelas religiões, pela quase infinita falta de cultura e sobretudo mortos pelos interesses dos que querem ficar bem e muito vivos a qualquer preço.
Assisti há dias a um desfile de imbecilidades. Uma espécie de braço de ferro entre quem defendia, entre os protagonistas da história, quem era ou não era o que mais merecia absolvição, desculpa, justificação. Uma daquelas coisas assustadoras e idiotas em que se brande nazismo e comunismo, Hitler e Stalin, quem matou mais? Depois, é claro, seguiu-se a metralhadora verbal onde as religiões saltaram: qual a mais mortal, a mais cruel, a mais assassina? Nenhuma escapa, dizia-se. Mas são os seres humanos ou as crenças que assassinam? Haverá alguma coisa que traga de volta os miúdos que morreram na “nossa” guerra colonial? Na lista dos assassinos figura Salazar ou Franco – e no entanto é ver como os nostálgicos, estranhos sobreviventes das valas comuns e da história ensanguentada, brandem a sua nojenta necrofilia nos dias de hoje. Quem matava mais? O Cuerpo de Policía Armada y de Tráfico), também conhecida como Polícia Armada, em Espanha, ou as PIDEs portuguesas, com os seus diversos nomes (PVDE, PIDE, DGS…).
Um assassino é sempre um assassino. Matando um ou um milhão? Matando a sua companheira, o seu companheiro, ou arrasando aldeias com Napalm, matando para roubar ou para fazer justiça, essa criatura órfã da sensibilidade que por vezes, tantas vezes, pactua com a loucura humana.
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